quarta-feira, 31 de março de 2010

As crianças e Nós

Essa eu escrevi para ti, Rafa!

Deve ser porque sou professora que gosto tanto de falar sobre o processo de aprendizagem. Ok, sou professora de inglês e os meus textos raramente vão tratar do aprendizado da língua inglesa. Mas é pensando na minha profissão e na maneira como vejo crianças e adultos aprenderem a língua é que acabo fazendo algumas comparações.
Vamos começar pela criança e sua capacidade de adaptação à nova língua, a criança não tem medo de errar, não tem medo de se expor, não tem medo de encarar uma nova situação. A criança se coloca no papel de aprendiz muito mais facilmente que o adulto, afinal ela sabe, mesmo que inconscientemente, que para se tornar adulta precisa aprender coisas de criança e depois passar a aprender coisas de adulto.
E os adultos... ahhh, os adultos. Bem, esses tem medo de quase tudo, a começar por entrar em uma escola de idiomas para fazer sua matrícula e lá vem todas aquelas desculpas: eu já estou muito velho, eu não aprendo mais, mas e se eu errar?, mas meus colegas vão saber mais do que eu. E por aí os adultos desfiam um rosário de lamentações para justificar sua incapacidade de lidar com o que é novo, de lidar com o erro, de lidar com o social e com as diferenças que não são nada além de naturais entre os seres humanos.
O interessante de tudo isso é que o processo de aprendizagem dentro de sala de aula é simplesmente igualzinho as nossas vidas fora dela. Temos que enfrentar dificuldades, perdas, diferenças, errar e acertar, temos que ouvir e falar, nos expor, correr riscos. Novamente aí as crianças estão em grande vantagem sobre nós. Elas não tem medo de amar e de se decepcionar, até porque raramente sabem o que é uma decepção, elas se arriscam em terrenos desconhecidos e não temem dar uma passo atrás se necessário, elas amam mesmo sem ganhar nada em troca, elas são capazes de dizer o que pensam sem medo de ferir, mesmo em sua ingenuidade elas são capazes de observar o mundo a sua volta e quando este não se apresenta do jeito que gostam, elas simplesmente trocam de brinquedo.
Não é fantástico isso? Será que não seria interessante se fizéssemos o caminho contrário e tentássemos ser alunos de nossas crianças? Certamente sofreríamos menos, nos divertiríamos mais, riríamos mais, brincaríamos mais... poderíamos sentar no chão sem medo, beijar sem pudor, amar sem temer, falar, pular, dançar, APRENDER sem sofrer. Perfeito, não?
(Dois Irmãos, 29 de março de 2010)

sexta-feira, 26 de março de 2010

Obrigada, mas não dá

Frases que não servem para nadaMartha MedeirosZero Hora, 21/09/03Tem frases que não servem pra nada, são ditas só por dizer. Será que não servem pra nada mesmo? Na verdade, estas frases servem para disfarçar silêncios embaraçosos ou para demonstrar uma boa intenção. O título desta crônica deveria ser Frases que Não Servem para Quase Nada. Mas ia ficar muito grande.
Vamos a elas.
"Vai passar." Sua amiga está no fundo do poço, não consegue nem sair da cama de manhã, uma depressão que se instalou há meses e que ninguém consegue detectar a origem. Vai passar? Provavelmente, mas o fato de você dizer estas duas palavrinhas não muda nada. Sua presença ali, mesmo quietinha, ajuda muito mais.
"Desculpe qualquer coisa." Conheci uma senhora muito humilde que fazia serviços domésticos e que, todo dia, na hora de se despedir, pedia desculpas por alguma coisa que ninguém sabia o que era. Ela teria quebrado algum copo? Ela dissera alguma impropriedade? Nada, era uma profissional de primeira. Desconfio que ela se sentia um estorvo na família. Era uma espécie de constrangimento por existir. Uma vez, de brincadeira, ameacei-a com demissão se continuasse pedindo desculpas por nada. Na mesma hora ela me pediu desculpas por pedir tantas desculpas.
"A gente se fala." Vem engatado no tchau, é automático. A gente se fala um dia, a gente se fala no Natal, a gente se fala em outra encarnação. Nada pode ser mais abstrato.
"Eu não disse?" Você acaba de provar que tem vocação para vidente. Mas não espere agradecimentos, no máximo um sorriso amarelo. Geralmente este "eu não disse?" vem depois de uma previsão agourenta. "Você vai cair desta bicicleta." Tchibum!
"Você tem que reagir." Na verdade o que a gente deveria dizer mesmo é "procura outro emprego/sai deste casamento/pede ela em casamento/troca de médico/faz uma terapia/bota a boca nos jornais". Mas vá que o maluco siga mesmo nossos conselhos. Melhor não arriscar.
"Tira ela da cabeça." Moleza. Você namorou a mulher cinco anos, moraram juntos, fizeram planos, ela era tudo o que você nem se atrevia a sonhar, e um belo dia, puf. Acabou. Eu não disse? Não era pro seu bico. Mas vai passar. Você tem que reagir. Tira ela da cabeça. Vou indo, a gente se fala. E desculpa qualquer coisa.